“Queimar livros e erguer fortificações é tarefa comum dos príncipes; o único fato singular quanto a Che Huangti foi a escala em que agiu”. No ensaio “A muralha e os livros”, presente no livro “Outras Inquisições”, Jorge Luis Borges conta que a China tinha três mil anos de cronologia e já havia estado sob o poder de outros imperadores quando Che Huang-ti decidiu se nomear o primeiro imperador chinês. Para demarcar seu império, mandou construir a enorme ‘Muralha da China’, e, para apagar a memória das autoridades que o antecederam, ordenou que todos os livros até então publicados fossem incendiados.
Infelizmente, a história se repete. O Estado Islâmico, ao tomar a cidade iraquiana de Mossul em 2014, mandou queimar e destruir a Universidade, a Biblioteca de Mossul e tantos outros monumentos marcos da história da humanidade. Para tanto, cercou esta e outras cidades de ‘muralhas’ físicas e ideológicas – armamentos e estratégias de guerra – muito mais poderosas do que aquela construída por Che Huang-ti, já que não têm limitações espaciais, mas se espalham à medida que se fortalece o medo.
A despeito desses fatos lamentáveis, a esperança, felizmente, ainda permanece. A recente notícia da retomada do território de Mossul pelo governo iraquiano e o resgate da memória dos impérios anteriores a Che Huang-ti mostram que, apesar de os acontecimentos sombrios da história causarem marcas irreversíveis nos monumentos e na memória da humanidade, haverá sempre resquícios e pessoas para ajudar a resgatá-la.
(Carla Pedrosa)

