Biblioteca da Escola de Música recebe segundo maior acervo do Brasil relacionado ao universo do violão
Acervo pertencia ao colecionador José Pascoal Guimarães e abriga itens raros, como partituras manuscritas das composições dos violonistas e apresentadores de rádio Augusto Vieira e Sebastião Idelfonso

Foto do colecionador José Pascoal Guimarães. Arquivo da família.
Partituras manuscritas e impressas, documentos, fotos, gravações, discos, LPs antigos, cartas, entre outros documentos e objetos relacionados ao violão e sua história, principalmente em Minas Gerais, compõem o precioso acervo doado pela família do colecionador José Pascoal Guimarães para a Biblioteca da Escola de Música da UFMG.
Segundo Humberto Amorim, maior estudioso dos acervos de violão do Brasil, a coleção Pascoal Guimarães configura-se, ao lado dos arquivos de Ronoel Simões – sob a guarda do Centro Cultural da Cidade de São Paulo – uma das mais importantes bibliotecas específicas de violão do país, abrigando diversos itens de valor histórico, musicológico e musical únicos.Entre as preciosidades, está um disco de 78 rotações do Andrés Segovia e as partituras que o Maestro Torres registrou das gravações da obra do Garoto.
O acervo conta, ainda, com partituras do violonista e compositor Mozart Bicalho, com quem José Pascoal morou durante dois anos, assim que se mudou de Braúnas, interior de Minas Gerais, para Belo Horizonte, na década de 50. Na casa de Bicalho, Pascoal participou de saraus, inclusive com a presença da cantora e compositora Clara Nunes.
Também se destaca, na coletânea, a gravação de vídeo feita pelo colecionador durante uma visita que recebeu do grande violonista carioca, já falecido, Raphael Rabello. A filmagem foi fonte de pesquisa da dissertação Raphael Rabello e Odeon de Ernesto Nazareth, defendida por Alvimar Liberato na pós-graduação da Escola de Música da UFMG em 2007.
Além disso, partituras manuscritas, pelo próprio Pascoal, de mais de trinta composições de violonistas empíricos – como os apresentadores de rádio José Augusto Vieira e Sebastião Idelfonso, além de João Pinheiro –, compõem o rico patrimônio. “Por meio desse material, pode-se ter um espelho da atividade musical das rádios belorizontinas nos anos 50 a 70, por exemplo. Essas partituras serão, possivelmente, objeto de estudo do Roger Deboden, um dos meus orientandos de Mestrado”, afirma Fernando Araújo, professor do Departamento de Instrumento e Canto da UFMG, que intermediou o processo de doação do acervo para a UFMG.

Recorte do Boletim Informativo MinasCaixa, datado de maio de 1981, sobre José Pascoal Guimarães . Acervo Pascoal Guimarães / Biblioteca da Escola de Música da UFMG
Em análise preliminar das partituras da coleção de Pascoal Guimarães, e instigado pela riqueza do conteúdo encontrado, o mestrando Roger destaca que “o acervo traz a possibilidade de resgatar, além do contexto histórico e sociocultural do cenário da música da época, obras de compositores que eram nomes frequentes nas rádios, mas que, por vezes, ficam às margens da literatura do violão”.
Escolha da UFMG para abrigar o acervo Pascoal Guimarães
Patrono do curso de violão na Universidade Federal de Minas Gerais, o professor José Lucena teve importante papel na escolha do local para abrigar a coleção Pascoal Guimarães. Lucena introduziu, em 1976, o primeiro curso de violão em uma universidade pública do país. Ao ser contatado pela família do senhor Pascoal, de quem era amigo, não hesitou em indicar a Escola de Música, pela qual tem grande apreço, para alocar o acervo.
“A Escola de Música da UFMG ancora os principais profissionais da área e é o lugar ideal para abrigar essa importante coleção. Conheci o Pascoal anos antes de introduzir o curso de violão na Universidade. Como ele tinha muitos recursos, adquiria os instrumentos, discos e partituras mais recentes e o acervo dele era sempre atualizado. A casa do Pascoal era frequentada por todos nós, profissionais da música, para saber as novidades. Espero que a coleção continue sendo usufruída por aqueles que buscam uma formação consolidada. Quem tiver juízo, que beba nessa fonte de pesquisa maravilhosa”, aconselhou o professor.
Compartilhando a paixão pela música
Bancário bem sucedido, Pascoal não hesitava em investir recursos na paixão pela música. Dedicou, então, uma vida inteira a colecionar objetos relacionados ao universo do violão. Com cerca de dez mil partituras e aproximadamente mil LPs, entre outros itens, o acervo Pascoal Guimarães começou com um manual da Escola de Tarrega, por ele adquirido para aprender, autodidaticamente, a tocar violão, na época em que morou com o violonista Mozart Bicalho.

Andrés Segovia e Laurindo Almeida em frente à casa do violonista americano Ron Purcell, na Califórnia, em fevereiro de 1981. Acervo Pascoal Guimarães / Biblioteca da Escola de Música da UFMG
Pascoal conviveu, ao longo da vida, com outros célebres compositores. Recebeu, em casa, a visita de artistas renomados, como Raphael Rabello, Aliéksei Vianna e Geraldo Vianna. Professores e estudantes de música também eram sempre bem-vindos na residência do colecionador, que com eles compartilhava seus conhecimentos e cópias das partituras.
“Conheci o senhor José Pascoal por meio do professor José Lucena. A casa dele era uma espécie de centro violonístico. Pascoal disponibilizava, gratuitamente, as cópias das partituras, e isso foi muito importante na formação de muitos violonistas porque, na época, não era como hoje, que tem absolutamente tudo disponível em plataformas como YouTube e Spotify. A maioria dos materiais eram importados e caríssimos. Então a gente ia à residência do Pascoal e fazia as cópias em cassete dos discos de vinil, ampliando nosso repertório”, conta o professor Fernando.
Preservação e acesso ao acervo

Família Pascoal Guimarães em visita ao acervo na Escola de Música da UFMG em maio de 2023
O acervo Pascoal Guimarães está alocado em uma sala especial na Biblioteca da Escola de Música, em local com condições adequadas para preservá-lo e disponibilizá-lo para consulta.
“A coleção foi apresentada à equipe da Biblioteca pelo professor Fernando Araújo, em belíssimo texto que detalhava toda sua importância e serviu de base para destinarmos os itens que a compõem à sala que a abriga atualmente. Somos muito gratas ao professor, pela intermediação, e, sobretudo, à família, pela doação do acervo. Ao receber a coleção, a Biblioteca da Escola de Música cumpre a missão de prover acesso a documentos musicais de Minas Gerais e do mundo, contribuindo para as ações de ensino, pesquisa e extensão da Universidade”, esclarecem as bibliotecárias Aline Pimenta e Elizabeth Rolim, coordenadora da unidade.
Para Ruth Mendes Guimarães, filha do senhor Pascoal, tão importante quanto manter viva a memória do acervo – construído pelo pai com a dedicação de uma vida inteira – é dar continuidade ao trabalho de disponibilização das valiosas informações que ele abriga. “Meu pai sempre teve muita alegria em compartilhar o conhecimento sobre música e queremos manter esse legado”, enfatiza Ruth.
Atualmente, está sendo feita a triagem final das partituras e a ordenação delas em arranjo alfabético, por autoria das composições. “Dessa forma, mesmo antes da catalogação propriamente dita, o acervo estará em condições de consulta, que poderá ser agendada pelo e-mail bib@musica.ufmg.br”, explica a bibliotecária Rachel Mariana de Oliveira. Mais informações pelo telefone (31)3409-4712.
(Carla Pedrosa – Biblioteca Universitária UFMG)